Esfirra, Sinônimo de Espelho.

Acabo de chegar da rua. Realmente eu estava morrendo de fome, mas com a mágica do Fast-Food foi mais rápido conseguir alguma comida.
- Por favor, me veja três esfirras de queijo, duas de carne, duas de frango, três quibes, um suco de limão e outro de laranja.
É claro que não era tudo pra mim. A coitada da minha irmã também tinha parte nisso, portanto a culpa da gula não cai sobre mim. Depois de quinze minutos (isso devia ser fast-food, não?) recebi a caixa com meu sonho de consumo do momento e mais o saco com os sucos, tudo bem marcado com grandes letras gritando “Habib´s”, para qualquer um saber de onde minha felicidade provinha.
Detalhe é que eu estava na L2-Sul, uma das maiores avenidas de Brasília, e como ia caminhando com meus novos pertences à mostra era fácil perceber que se tratava de comida, principalmente como já disse, pelas letras estupidamente extrovertidas. Aí é que tudo acontece.
Passando por uma das superquadras, debaixo de uma árvore, digamos havia um lar. Uma lona não muito grande servia de teto para um piso de grama, janelas que não existiam e uma porta que nunca se fechava. Um homem mexendo em qualquer coisa me olhava lá de dentro com olhos vagos, sem sentido. Nem me preocupei. Passaria como outros. Outros olhos, agora menores, de uns sete anos talvez, me olhavam curiosos, atentos, gulosos e uma boca faminta e pedinte me disse:
- Ô tio, me vê uma esfirra dessas.
Um pequeno susto porque eu não esperava ser abordado, mas tão rápido que nem em câmera lenta daria pra se perceber. Que menino mais inconveniente, entrando assim, sem ser convidado em minha felicidade árabe.
- Você vai me desculpar, mas a minha irmã já está me esperando, e eu também comprei pouca coisa.
“Pouca coisa, André? Sete esfirras, três quibes e dois sucos são pouca coisa pra uma boca faminta de sete anos? Bom, pode ser pouco, mas pode ser muito. Muito mais do que ela pode ter”. Era a minha inconveniente consciência, um pouco confusa em sua acusação, enchendo a coitada da minha indiferença.
Com um sopro me livrei da consciência, e com aquelas palavras e passos mais rápidos me livrei da criança. É fácil fazer o que se quer quando se tem a certeza e a segurança de que o estômago vai ficar satisfeito em poucos minutos. A boca até já salivava. Salivava em um sorriso feliz, principalmente seguro, e é claro... hipócrita. Como essa boca que sorria podia dizer aos amigos que o sentimento que mais odeia é a indiferença, e a mesma, puramente hipócrita, dizer a uma criança que há poucas esfirras dentro da caixa?

Maldita caixa que me condenou. Tinha que ter letras tão grandes estampadas em seu corpo? Tinha que me condenar, me forçar a fazer o papel de cidadão exemplar? Tinha que fazer a criança pedir o meu segredo (muito mal escondido por sinal)? Ô caixa!

Realmente parecia que eu sofria, mas não era tanto assim. O problema é que eu sempre fui muito bondoso com os mais necessitados, mas obviamente de uns tempos pra cá percebi que meus caprichos eram importantes: um cd, um livro, um creme contra acne, um sabonete com o mesmo fim. Realmente acho que é uma boa eu me preocupar com minha aparência, já que dizem que ela é importante para se conseguir um ótimo emprego, uma ótima namorada.

Estar em Brasília é pensar em poder, dinheiro, poder e mais dinheiro. São Mercedes passando, prédios se erguendo e sendo melhores que pessoas. Meu sorriso, minha beleza exterior rindo graciosa e contente.

Lá dentro agora dói. Dói muito e machuca. Idiota! Como negar comida á uma criança? Dá vontade de dizer “morra seco”, mas me controlo. Seria mera piada. Ela me pedia uma esfirra apenas. Uminha só. Uma única!

Eu quase volto, mas a distância entre nós já é grande. A distância entre o coração teórico e a mão que ajuda na prática já é imensa. Não sabia que havia ficado assim. Aos poucos parece que me torno supérfluo. É triste, mas pelo menos vi como estou.
Uma esfirra.
Sabe, devia ter deixado a caixa inteira.

obs.: Gente, já que não tem jornal e nem ninguém interessado nos meus textos, nada melhor do que eu me interessar. Esse é o primeiro... de muitos. Então se você gostou, não gostou, não achou nada ou simplesmente não tem nada pra fazer, deixa um comentário. Ah, eu não consegui deixar com os parágrafos. Não sei mesmo. Fui.