O agradecimento mais diferente que eu já fiz (Obrigado pelo período da história em que vivo)

. sábado, julho 19, 2014
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A existência do ser humano nessa Terra é muito curta. Um ser humano vive, em média, uns 90 anos. E, levando em conta que a história da humanidade tem entre 6 e 10 mil anos (tendo como base o relato bíblico e análises de cientistas criacionistas), a vida de um ser humano coincidir com o mesmo período de existência de outros seres humanos pode ser vista como um presente (ou uma desgraça, também).

Mas hoje, meu raciocínio me fez pensar no lado positivo dessas “coincidências de existência”. E, considerando que eu usei a palavra “presente” pra descrever esse momento, acredito que esse “cruzamento de vidas “ num determinado período da história da humanidade não é obra do acaso. Um presente sempre é dado por alguém. E, na minha avaliação desse caso, esse alguém é Deus. Um Deus que se preocupa com cada detalhe da nossa vida, inclusive com pequenas felicidades que podem ser vividas mesmo neste mundo cheio de pecado, dor e morte.

Onde é que você quer chegar?
Bom, depois de tanta filosofia, onde é que eu quero chegar? Nessa noite, me peguei pensando e, também, agradecendo a Deus, por ter a oportunidade de viver na mesma época da história do mundo que algumas pessoas que eu poderia classificar como inspiradoras. Pessoas que, por meio de suas palavras, história de vida, textos, ideias, sons e mais uma infinidade de substantivos marcaram a minha vida. Algumas dessas pessoas conheço pessoalmente e tenho várias histórias vividas com elas, e somos amigos, parentes, irmãos.  Entre essas pessoas estão a minha esposa, meus pais, minha irmã, meus avós, tios, primos, amigos e por aí vai.

Mas ainda não são essas relações que me fizeram refletir hoje. As relações que me fizeram pensar hoje são aquelas, como eu já disse anteriormente,  que acontecem com aquelas pessoas que, por meio de suas palavras, história de vida, textos, ideias, sons e mais uma infinidade de substantivos marcaram a minha vida. E aí, falo de pessoas que, em sua maioria, jamais troquei muitas palavras, ou sequer sabem quem sou. Mas que criaram músicas, escreveram textos, contaram histórias e divulgaram ideias que me influenciaram quando eu era criança, adolescente e, muitos, me influenciam até hoje. E hoje, me peguei agradecendo a Deus por uma coisa simples: por viver no mesmo período da história dessas pessoas e poder ser influenciado pelas ideias e produções feitas por elas. Afinal, em 10 mil anos de história do Planeta Terra, acabei nascendo e vivendo exatamente no mesmo período em que esses grandes influenciadores vivem. Do meu ponto de vista, um privilégio!

Na Música
Na música, me peguei pensando no privilégio de viver na mesma época de grandes compositores como os maestros Lineu Soares e Jader Santos. Cresci ouvindo músicas e arranjos compostos por eles.  Além de ouvir as gravações de seus grupos musicais e corais. Homens que deixaram Deus usar sua vida como um instrumento pra tocar outras vidas e inspirar pessoas por meio de palavras, melodias, harmonias e ritmos.

Ainda pensando em música, vejo como um grande privilégio poder viver num período onde é possível ouvir grandes intérpretes da música como o cantor Leonardo Gonçalves, o sexteto norte-americano Take 6 e o grupo Heritage Singers. É claro que há um número muito maior de grandes intérpretes de música. Grandes cantores, cantoras e grupos musicais. Mas esses 3 que mencionei, de alguma maneira, sempre me emocionam e me fazem pensar no Céu e em Deus de uma maneira muito mais intensa com suas interpretações vocais.  E isso, por si só, já é um grande presente de Deus!

Pensadores
Me peguei pensando, também, no privilégio de viver na mesma época de grandes pensadores. E poder absorver suas análises e ideias sobre os fatos que acontecem no planeta no mesmo período da história em que vivo. (Nesse momento, abro um parênteses pra imaginar que presente deve ter sido para os contemporâneos de Jesus poder ouvir as suas palavras e absorver suas ideias in loco. Ou para os contemporâneos do apóstolo Paulo, ouvir seus conselhos e orientações. Poderia citar outros nomes aqui. Mas aí o parênteses ficaria gigante.)

Sendo assim, me peguei agradecendo a Deus, também, por poder viver na mesma época do teólogo e pastor Alejandro Bullon e do jornalista Michelson Borges. O primeiro, sempre ouvi no rádio, vi na televisão, li seus livros e presenciei algumas de suas mensagens, também. E, de alguma forma, o seu sotaque hispano, falando palavras em português, pra mim sempre pareceu a confirmação de que a esperança da volta de Jesus e do amor de Deus por cada ser humano não conhece fronteiras. Já o segundo, conheci quando pensava em ser o jornalista que sou hoje. Seus livros, textos, reflexões e ideias sempre me impressionaram (e continuam a impressionar) e moldaram muitos pensamentos que tenho até hoje.

O Fim... do texto
Bom, a quantidade de nomes poderia continuar a aumentar nesse texto. Eu tenho certeza disso. Afinal, Deus nos dá presentes todos os dias. São pessoas que cruzam o nosso caminho por meio de ideias, palavras, músicas e mais uma infinidade de ações.  E nos fazem lembrar do objetivo real da nossa vida aqui nessa Terra. De que não estamos aqui por acaso. E de que há um lugar melhor do que esse mundo em que vivemos, esperando por nós.  E lá, eu poderei viver, eternamente, ao lado de grandes pessoas que não tive a oportunidade de conhecer ou viver no mesmo período da história aqui nesta Terra. Os nomes serão muitos, também. Mas, tenho certeza, de que o melhor vai ser poder ouvir e ver, face a face, o maior nome da história dessa humanidade: Jesus.

Você pode não conhecer algumas pessoas que eu citei nesse texto. Ou pode não entender o motivo da minha apreciação por essas pessoas. Tudo bem.  Essa é a minha rápida lista de nomes, que montei após alguns minutos de reflexão. Você com certeza tem a sua lista. Os nomes mudam. Mas sempre admiramos alguém ou o trabalho de alguém. E esses são, também, presentes de Deus.

Pode parecer bobo escrever um texto como esse e fazer agradecimentos como os que fiz.  Mas o próprio Deus aconselha a cada ser humano a “agradecer em todas as situações”, em 1 Tessalonicenses 5:18. Sendo assim, acho que esse momento da história em que vivo se encaixa dentro do “todas as situações”. Então, agradeço a Deus por esses presentes que eu classifico como "coincidências de existência" e por muitos outros que, tenho certeza, ainda virão.

André Leite, 19 de julho de 2014

Obs.: Não sabia se deixava esse texto guardado no meu computador como uma reflexão particular ou compartilhava em algum lugar. Mas se hoje algumas músicas me fizeram refletir desse jeito, talvez meu texto possa ser usado por Deus pra fazer alguém, em algum lugar, refletir também. Aí, resolvi não deixar o texto guardado.

Morte

. segunda-feira, novembro 15, 2010
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Fazia muito tempo que eu não postava aqui no blog. Mas a morte do meu amigo Wendel Mattos me deixou muito triste. E me fez lembrar de um texto que eu tinha escrito quando a minha avó morreu, no final de 2008. A gente precisa usar esse momento pra refletir.

André Leite

Só há uma vantagem em se estar triste. Refletir. Eu diria, até mesmo, que esse é um momento especial. O “esse” a que me refiro é a morte. E por isso é especial.

Pode até soar estranho declarar a morte como algo especial. Mas é como ganhar na loteria. Apesar de acontecer várias vezes com diversas pessoas, nem sempre isso acontece conosco. E quando acontece é preciso aproveitar.

Com a loteria se ri, se compra presentes, dá-se pulos de alegria. Com a morte, pensa-se na vida de uma forma única, que nenhum outro momento proporciona. Pensa-se nos erros. Idealiza-se não cometê-los mais. Lembra-se da eternidade no Céu e o que fazer para estar presente lá.

Este é um momento único, também, para escrever. A reflexão é tanta que os pensamentos e idéias filosóficas fluem de forma natural.

É possível dizer que é um grande desperdício não aproveitar a morte e a reflexão que ela gera para escrever ou, simplesmente, ficar em silêncio para pensar.

É permitido chorar. Na verdade, é absolutamente normal. Desesperar-se não. Afinal, há uma esperança concreta e prometida de que os que morreram no Senhor irão se reencontrar no Céu e viver eternamente juntos. Sem mais morte. Sem mais choro.

Cada lágrima que cai é como uma espécie de memória que brota na mente e nos faz lembrar que o momento feliz já não poderá mais ser repetido.

Um beijo. Um abraço. Um presente trocado. Uma palavra de carinho. “Eu te amo” dito com todo o coração e toda ternura.

É por isso que é preciso aproveitar a morte. Ficar em silêncio para captar toda a essência da reflexão sobre a vida e o que significa amar as pessoas e esperar encontrá-las eternamente no Céu.

O lápis corre no papel com uma velocidade incrível. Poderiam ser os dedos em um computador, mas parece que escrever no papel e ver o grafite se misturar a folha branca tem cara de sentimento, de exercício pra relaxar, de atitude mais natural.

A morte não é natural. Dói pensar na separação e na inexistência de um reencontro imediato. As lágrimas parecem fazer bem ao rosto quente e cheio de lembranças em cada olhar.

Mas vejo como um presente cada segundo passado em silêncio e reflexão. Um presente de Deus para que minha vida na Terra possa ter continuidade eterna no Céu.

A morte vai continuar a acontecer por aqui. E se cada momento desses puder ser aproveitado com silêncio e reflexão, talvez muitas más atitudes sejam mudadas. Aí, essa vida já não terá que passar por uma morte eterna. Apenas um sono. Que será despertado assim: “Filho, levanta. Acabou. Você será feliz pra sempre.”

Jogos olímpicos da investigação

. terça-feira, abril 15, 2008
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Ok. Falar sobre uma competição entre policiais e jornalistas para resolver um caso não é uma proposta tão inovadora, já que há casos de repórteres que buscam ser mais rápidos que policiais para resolver os mistérios de um crime. Imaginar uma competição entre essas duas classes de profissionais é praticamente parafrasear a realidade.

Mas, e se esta disputa deixasse de ser disfarçada e se tornasse explícita? Uma espécie de jogos olímpicos dos casos investigativos? Tentemos.

- Senhores jornalistas e policiais. Em alguns minutos, vocês estarão envolvidos em uma disputa que deve definir quem de vocês é mais eficaz no que diz respeito à investigação. Armas ou blocos de anotação? A lei da farda ou a persistência jornalística? Vocês é que darão a resposta.

Quem dava as instruções era um general do exército brasileiro.

- Um dos empresários mais influentes de São Paulo foi encontrado morto às 10 horas da manhã desta quinta-feira. Ele estava estendido em seu escritório e foi visto pela primeira vez nestas condições pela empregada doméstica. Isso é tudo. Não há mais informações sobre o caso. Na função de oficial do exército brasileiro, eu declaro abertos os Primeiros Jogos Olímpicos de Investigação.

E saíram todos aos tropeços da sala de reuniões. Cerca de 50 jornalistas e 150 policiais. Os primeiros a agir foram os jornalistas. Um ligou para uma fonte fiel.

- Alô, Macedo! Aqui é o Alberto, da Folha da Capital.
- Opa! Tudo bem?
- Mais ou menos. É que aconteceu um assassinato aqui na cidade e preciso de algumas informações sobre o caso.
- Ah, você deve estar falando do assassinato do empresário Bittencourt, não?
- Esse mesmo, rapaz. É por isso que eu gosto de conversar com você. Então, me dá umas informações rapidamente. Desta vez, além de ter que escrever sobre o crime eu também estou participando de uma competição de investigação.
- Ah, é?
- É. Então, fala aí.
- Então, rapaz. Eu também tô nessa.
- Como assim, Macedo? Você tá envolvido no crime? Não acredito!
- Não, meu amigo. Eu também tô nessa da competição. Eu achava que tinha te visto lá na sala de reuniões com o general e agora confirmei que era você mesmo.
- Hmmm...
- Então, sabe como é, não? Vou ajudar a classe nesses jogos. Fica pra outra.
- Eu nem queria mesmo. Tchau.

Emburrado, o jornalista desligou o telefone e tentou pensar em outra pessoa pra saber mais sobre o caso. Não conseguiu porque era muito limitado e tinha uma fonte só. Ao menos, começou a aprender que era necessário ter uma vasta lista de fontes.

E por ter este tipo de lista, outro repórter começou a desvendar o caso. Chegando ao local do crime de helicóptero, descobriu que, mesmo pelo ar, não tinha sido tão rápido quanto seus adversários. Já que se tratava de uma competição, os policiais haviam mobilizado toda uma equipe para ir até o local do crime e começar a fazer perguntas.

No entanto, quem fez a pergunta certa foi o tal repórter do helicóptero. Abriu o caderninho com fontes e ligou para quem não estava envolvido na competição: o sócio do empresário Bittencourt.

Felizmente, o jornalista tinha feito uma reportagem sobre empreendimentos e teve o sócio da Albuquerque & Bittencourt como a principal referência sobre o assunto. A empresa era uma das que mais crescia em todo o País.

- Alô! Albuquerque?
- Sim.
- Aqui é o Thomaz, da GTV.
- Hmm...

Parecia que o Albuquerque não queria colaborar.

- Então, rapaz. Eu queria estender minhas condolências pela morte do seu amigo.
- Que amigo?
- O Bittencourt.
- Ah...
- Então, é... Você sabe de alguma coisa?
- O que é que você quer, hein, rapaz?
- Eu só gostaria de saber se o Bittencourt tinha alguns inimigos, alguém que poderia se aproveitar da situação.
- Não.
- Não, o quê?
- Não, eu não sei de ninguém.
- Hmmm...
- Não mesmo?
- Tu! Tu! Tu! Tu! Tu! Tu!

O Albuquerque não tinha gostado mesmo das insinuações do jornalista. Mas como este estava mais preparado que o outro, ligou para uma fonte diferente: o contador da empresa.

- Ô Vieira, quanto tempo!
- É o Thomaz?
- Isso, mesmo.
- Ô rapaz, quanto tempo mesmo.
- Vieira, eu tô precisando de uma informação.
- O que você precisar.
- A morte do Bittencourt.
- Que tem a morte dele?
- Eu quero saber o que você sabe.
- Hmmm...
- Eita! Tá difícil hoje!
- Calma. Eu vou te ajudar. Como somos amigos de infância eu vou te dar uma força. É para aquelas Olimpíadas de Investigação, não é?
- Como é que você tá sabendo?
- A mídia anda divulgando. Acho que é para dar a impressão de que estão na frente. Mas pelo que eu percebo estão dando só tiro no escuro.
- É mesmo rapaz?
- Ô. Andaram falando que foi um assassinato encomendado. Dizem que quem mandou foi o sócio do Bittencourt, o Albuquerque. Mas é mentira. Os dois se davam bem até. O Albuquerque se dava tão bem com o sócio dele que, nas últimas férias, o Bittencourt estava tão ocupado pra levar a esposa pra viajar que pediu para o sócio levá-la para o Havaí.
- Ih! Aí tem coisa.
- Como assim, Thomaz?
- Férias no Havaí com a mulher do outro tem resultados inesperados.
- Tipo...
- Não sei, mas nunca deixe sua mulher passar férias com um cara solteiro, rico e boa pinta no Havaí.
- É mesmo, rapaz! Eu ainda não tinha pensado nisso.
- Me passa o telefone da viúva.
- Não vai ofender a coitadinha, Thomaz.
- Não. Eu só vou perguntar algumas coisas.
- 3836-4543.
- Certinho. Anotado. Abraço, Vieira.

Desligou e não sabia que havia sido grampeado. O amigo Vieira estava envolvido em esquemas de financiamento ilegal de campanhas políticas e por isso tinha seu telefone nas mãos, ou melhor, ouvidos da polícia. Assim, quando o jornalista foi ligar pra viúva recebeu apenas a linha ocupada e, pouco tempo depois, a informação pela rede de TV concorrente de que a polícia ia prender a esposa de Alfred Bittencourt por ter planejado o assassinato do marido para encobrir um romance extra-conjugal.

Com a competição ganha pelos policiais, o jornalista resolveu voltar ao local onde a maior parte dos outros repórteres estava: em frente a mansão dos Bittencourt, tentando se justificar por não terem conseguido vencer a competição.

- Esses policiais também... Como a gente vai competir com o poder público? Eles têm autonomia pra fazer tudo o que quiserem. Assim não dá. Essas olimpíadas são uma furada.

- É mesmo.

Em meio as reclamações, o tal jornalista da GTV viu uma mulherzinha com avental sujo de comida chorando próximo a uma árvore. Sentiu dó e foi tentar consolar a moça.

- Olá. Você era parente do Bittencourt?

Pelas roupas simples não devia ser mesmo. Mas a pergunta foi suficiente para fazer a mulher voltar a chorar e tentar responder entre soluços.

- Não. Eu... era... só... a... empre...gada.
- Hmm. E você foi a primeira a ver o Bittencourt morto, não?
- A... ham.

A empregada não parava de soluçar e chorar. O jornalista, um pouco mais humano, resolveu improvisar algumas palavras de conforto.

- Então, não se preocupe. Os culpados já foram encontrados. A polícia descobriu que a esposa do Bittencourt e o Albuquerque armaram o assassinato.
- Buáááá!

Com um choro tão chorado, o jornalista achou que o problema era mais grave e tentou racionalizar. E chegou a uma conclusão: a mulher chorava porque não teria mais onde trabalhar. Morto o patrão e encarcerada a patroa, agora ela não teria mais o salário garantido.

- Já sei, moça. Se o problema é trabalho eu chamo você pra fazer faxina em casa.

Ela parou de chorar um pouco e resmungou limpando o nariz.

- Tá bom. Mas não é isso, não senhor.
- O que foi, então moça?
- Promete que não conta pra ninguém?
- Prometo – disse ele, tendo a certeza de que a mulherzinha não teria nenhuma informação digna de confidência.
- Fui eu.
- Foi você, o quê?
- Fui eu que matei o Bittencourt.
- Como assim, mulher?!
- Foi assim, ó. Eu tava lavando as folhas de alface e os tomates pro almoço. Como o seu Bittencourt é muito exigente, eu estava usando luvas para não contaminar as verduras.
- Chato esse Bittencourt, não?
- Pois é. Mas, continuando. Aí, com as luvas escorregando de tão molhadas eu fui pegar a faca para fatiar o tomate. Foi então que o Bittencourt me chamou e eu virei. O problema é que eu levei um susto e a faca escorregou da minha mão.
- Tá, mas e daí?
- Daí que, quando eu virei é que a faca escorregou e foi pra cima do seu Bittencourt. No lado esquerdo do peito. Que nem a música diz.
- Não acredito!
- Pois é. Mas, já que o senhor prometeu não falar nada vamos decidir o meu novo salário?

Não teve novo salário. Louco para ganhar a competição, o jornalista dedurou a empregada e garantiu a vitória e as medalhas de latão pintado de dourado para os profissionais da imprensa.

Feliz ficou a mulher do Bittencourt. Com o dinheiro do marido, confirmou seu caso com o Albuquerque e foi passar novas férias no Havaí.

Presa, só restou a empregada continuar chorando e se lamentando por falar demais. Além, é claro, de odiar o telejornal local da GTV.

Oscar Tupiniquim

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- E o Nascimento de melhor filme estrangeiro vai para... Sad Memories, de Steven Spielberg!

Spielberg como diretor de um filme estrangeiro? Como assim? E que raios é um “Nascimento”? Simples: é o Oscar na versão tupiniquim. É o cinema de Sinatra ficando para trás e quem manda agora é o cinema da terra de Tom Jobim.

Bem, depois de um pouco de rima e poesia, a explicação.

Após o sucesso de Tropa de Elite nos cinemas brasileiros, norte-americanos e camelódromos, a produção cinematográfica do Brasil ganhou status, importância e, principalmente, dinheiro. Alguns críticos de cinema yankees até tentaram conter o avanço da “onda verde e amarela”, mas a qualidade dos roteiros e da interpretação dos atores brasileiros emocionou corações ao redor do planeta e encheu os bolsos de produtoras, distribuidoras e vendedores ambulantes. O cinema brasileiro ultrapassou Hollywood.

Uma das primeiras conseqüências dessa internacionalização maciça da produção brasileira aconteceu com os atores nacionais. Antônio Fagundes, Regina Duarte e Bianca Rinaldi (Quem???) deixaram as capas de Contigo! e Caras para ilustrar as internacionalíssimas People e Vogue. Facilmente, Reinaldo Gianechinni e Thiago Lacerda ocuparam as posições anteriormente pertencentes a Brad Pitt e Johnny Deep. Kaiky Brito acabou se tornando uma espécie de Leonardo Di Caprio na época de Titanic.

E as coincidências entre os dois atores não ficaram apenas no fato de os dois serem considerados “gracinhas” e promissores no mercado cinematográfico. Assim como DiCaprio despontou em um longa que contava a história de um navio que afundou, Kaiky alcançou o estrelato e os porta-retratos de meninas ao redor do mundo após o brilhante Bateau Mouche, uma noite de brilho e terror.

No entanto, o estrelato não traz apenas luzes. Os paparazzi invadiram o território brasileiro e passaram a perseguir as novas estrelas internacionais. “Juliana Paes vai à praia e não tem mais o mesmo derrière de antes”. “Stephany Brito namora outro jogador de futebol. Ela é maria-chuteira?” “Vera Fischer dá ‘pití” e tenta se matar outra vez”. “Dercy Gonçalves completa 120 anos e recebe centenas de convites para estrelar filmes de terror”. Era o ônus de se tornar internacionalmente famoso.

Mas quem colheu as conseqüências do sucesso brasileiro no exterior não foram apenas os atores. A língua portuguesa também se propagou mundo afora. Assim como um dia o cinema norte-americano colaborou com a divulgação da língua inglesa, agora o brazilian way of movies, ou melhor, a forma brasileira de cinema, fez com que o português se tornasse a segunda língua mais falada no mundo.

Digo segunda porque ninguém é capaz de ultrapassar os chineses em número de filhos. Sendo assim, o mandarim (e pra quem ainda não sabia, saiba agora que o que se fala na China não é chinês e, sim, mandarim) continuou sendo o idioma mais falado do globo.

E por falar em globo, a Globo deixou de lado as novelas e passou a se dedicar exclusivamente ao cinema. Mas como não queria deixar de passar o folhetim televisivo todas as noites, passou a importar os melodramas mexicanos. Que importavam alguns reais em publicidade todas as noites se era possível arrecadar milhões com um filme de Rodrigo Santoro? Viva o cinema brasileiro!

Muito mais podia ser dito sobre as mudanças ocorridas e o dinheiro obtido com a nova ordem no cinema mundial. Mas é preciso apenas mais um acontecimento para comprovar o sucesso absoluto do cinema brasileiro: a instituição do Nascimento. Hã?

Como Tropa de Elite havia sido o filme que delimitou a era pós-Hollywood, o capitão Nascimento, personagem de Wagner Moura, ganhou status de ícone da sétima arte. Sendo assim, nada mais justo do que nomear o maior prêmio do cinema mundial como Nascimento. Se o antigo prêmio norte-americano podia ter o nome de Oscar, o brasileiro podia, ou melhor, devia ter um nome masculino: Nascimento.

Só causava certa estranheza a frase dita após o vencedor do prêmio Nascimento receber o troféu em forma de um capitão do BOPE segurando um fuzil:

- Agora que você já está com o prêmio na mão, queridão: pede pra sair.

E o sujeito descia do palco. Ao menos, descia feliz da vida.

Quem liga pras bodas de ouro?

. sexta-feira, janeiro 25, 2008
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A cerimônia ia começar em cinco minutos.

- Ela já está chegando. Dizem que o vestido dela é lindo. Todo dourado.
- Deve estar maravilhoso! Mas por que a cor?
- Ai, menina! Será que é porque estão comemorando as bodas de ouro? Dã!
- Ah...
- Agora fica quieta que o noivo já está entrando.

O noivo também vestia dourado. Não como uma drag-queen. Afinal, tinha mais de setenta. Mas a gravatinha dourada combinava bem com a ocasião.

Aliás, tudo era dourado. As paredes haviam sido pintadas de dourado, os enfeites eram dourados, os docinhos eram dourados, as flores eram douradas, vários convidados usavam dourado, os instrumentos da bandinha eram dourados (se bem que quase todos eles são), o tapete era vermelho. É que não haviam encontrado um tapete dourado às pressas. Adiaram tanto a escolha do tapete que, no fim das contas, não acharam um da cor do ouro e ficaram com o vermelho mesmo.

Com o noivo postado à frente, agora quem entrava eram os padrinhos. Euclistina, madrinha da noiva, foi a primeira a entrar. Era a única que conseguia caminhar sem a ajuda de algum aparelho, e, por isso, conseguia andar mais rápido, sem empacar a fila. Em seguida, veio Adamastor, por parte do noivo, acompanhado de sua segunda esposa e da bengala. Na seqüência, Menengarda e Eufrasina. Ambas na companhia do andador. Só a entrada dos padrinhos levou quase vinte minutos.

Teria sido menos, talvez quinze minutos, não fosse a insistência do último padrinho, um general aposentado, que quis fazer surpresa e entrar sem o seu andador. Dizia que ainda tinha forças para se portar como há cinqüenta anos.

Durou trinta segundos a teimosia do velho general. Se espatifou no chão, depois que tentou se apoiar, sem sucesso, em um enfeite de flores. Flores, vaso dourado e o velhinho ficaram no chão por uns trinta segundos antes de serem socorridos. A demora foi motivada pela perplexidade de todos os presentes ante a declamação de dezenas de palavrões pelo ex-general, enquanto este rolava no chão a procura de sua dentadura.

Refeitos do susto, estavam todos prontos para a entrada da noiva. A marcha nupcial começou a ser tocada. Não como há cinqüenta anos, porque naquela ocasião os noivos não conseguiram encontrar uma igreja com piano. A noiva acabara entrando em silêncio mesmo. Mas agora, ela vinha sob a influência da clássica música dos casamentos, dentro de seu vestido bordado com flores douradas. Parecia um grande pedaço de ouro floreado.

- Queridos... Queridos...

O pastor havia esquecido o nome dos noivos. Afinal, estava com mal de Alzheimer e já contabilizava noventa anos. Mas a noiva havia insistido para tudo ser muito parecido, senão igual, há cinqüenta anos.

- Belize e Edgar. – Foi o sussurro.
- Héin?
- Be-li-ze e Ed-gaaar. – Falou discretamente e silabicamente um dos padrinhos.
- Ah, sim. Queridos Beliche e Edmar.

Não adiantava insistir. Já que nem tudo podia ser como há cinqüenta anos, os nomes dos noivos também entravam na dança.

- Estamos neste lindo lugar para renovar mais uma vez estes lindos votos. Há quarenta anos, vocês...
- É cinqüenta.
- Isso. Quarenta anos...
- É cinqüenta. Faz cinqüenta anos que estamos casados.

Quem insistia era a noiva. Ela podia até aceitar ter seu nome trocado. Mas o tempo em que estavam juntos, ela e o esposo, era um troféu. Não poderia ser adulterado de forma alguma.

- Ah, sim. Então, há cinqüenta anos, este belo casal se casava nesta mesma data e neste mesmo local.

Na verdade, o local não era o mesmo. Mas como tanta coisa já não era a mesma...

- Treliche, você aceita renovar os seus votos de lealdade e amor para com o seu marido?
- Sim, pastor. Eu aceito. Ah, e meu nome é Belize. Be-li-ze.
- Ok, Vanize. Agora você, Elimar. Aceita renovar seus votos de lealdade e amor para com sua adorável esposa...
- Belize, pastor. Belize.
- Monize.

Tensão. Não por culpa do pastor ter errado mais uma vez o nome da noiva. Já haviam se adaptado. O fôlego suspenso era causado pela demora do noivo em responder. Ele olhava para o chão, ao invés de fixar seus olhos nos olhos com sombras douradas da noiva. Esta dava tapinhas no braço do marido:

- Para de enrolar, Edgar. Fala logo que aceita.

Mais espera. Mais tapinhas.

- Ei, tá achando que isso aqui é circo pra você ficar fazendo uma palhaçada dessas, Edgar? Fala logo que me ama, homem.

Aí o Edgar não agüentou:

- Não. Não aceito nada não. Estão vendo isso aqui? Esses tapas? Essa pressão psicológica? Ouço isso há cinqüenta anos. E vocês acham que eu vou renovar meus votos de fidelidade e amor? Nem morto! Ou melhor, morto, quem sabe, seria melhor.
- Edgar! Mas são nossas bodas de ouro!
- Ah! Quem liga pras bodas de ouro? Tô fora!
E saiu pelo salão. Pegou o guarda-chuva e se mandou.

Em prantos, a noiva não sabia o que fazer. Só sabia chorar e falar que não entendia o que estava acontecendo.

- Se acalma, minha flor. Bebe esse copo de Coca.
- Coca? Não tem água com açúcar?
- Não tem. Só tem os refrigerantes da festa. A água do salão acabou.
- Pega da chuva, então.
- Mas não tem açúcar, flor.
- Ah! Então não quero.

E voltou a chorar.

No fim das contas, a noiva foi levada pra casa pelos filhos e tentou uma reconciliação com o marido. Nada feito. Agora, ele queria era paquerar as mais novinhas.

Quem acabou não entendendo nada foi o pastor idoso. Enquanto comia sozinho o bolo de casamento, ele perguntou para o ex-general:

- Ué, você sabe onde foi o Eliomar? Ele disse alguma coisa sobre “vou lá fora”. Tá demorando, não?

Loucura, loucura, loucura

. quinta-feira, janeiro 24, 2008
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Quando alguma coisa fora do comum acontece, o Zé, que, como já disse em uma outra crônica, não tem nada de José, na verdade se chama Robson, geralmente é o primeiro a dizer: Locão! Assim mesmo. Sem o “u” entre o “ó” e o cê. Acho que dá uma sonoridade mais espontânea para a palavra. Se dissesse “loucão”, talvez parecesse ter toques de intelectual. E a intenção dessa interjeição inventada não é mesmo essa. Quer dizer mesmo é que algo é incrível, beirando o impossível.

Sendo assim, aproveito o uso da palavra e insiro neste texto uma coisa de doido varrido que várias vezes me passa na cabeça.

Já comentei com alguns amigos que, em cerimônias de casamento ou em momentos onde há um discurso formal, como uma formatura, fico imaginando como seria se, de repente, eu levantasse, me dirigisse ao palco ou púlpito, e começasse a gritar e dançar. Não precisa ser uma coreografia específica, como a conga ou o “créu” (que por sinal já não agüento mais ouvir quando passo em camelôs que vendem DVD). Qualquer coisa que lembrasse uma dança já estaria valendo.

Essa idéia já me ocorreu mais de uma dezena de vezes. Em algumas delas eu não preciso nem me dar ao trabalho de dançar ou soltar o grito. Penso em simplesmente subir ao palco e dar um bonito soco em quem estiver com o microfone. Imagino a reação das pessoas olhando a cena. “Locão!” Essa seria a palavra do Zé se olhasse a cena da platéia. Agora, se ele fosse o noivo ou a pessoa que estivesse segurando o microfone, talvez tivesse outras intenções. Matar-me quem sabe.

Apesar de ter essas intenções insanas em várias ocasiões, reflito que elas não são o que se pode chamar de “atitudes comuns”. Isso parece óbvio. No entanto, eu geralmente sou classificado como um sujeito normal, do tipo que quer casar, ter família, um bom emprego e fotos na sala de estar. Por que eu, um sujeito normal, penso em fazer uma coisa de doido em cada casamento que vou? (Podem ficar sossegados, amigos que pensam em se casar. Eu não seria capaz de agir de acordo com esses pensamentos. Um mico desses, eu não estaria disposto a pagar de forma alguma).

Comecei a perguntar aos meus amigos e conhecidos que coisa maluca às vezes lhes dá vontade de fazer, mas, com certeza, nunca fariam. Foi uma boa terapia pra perceber que não estou sozinho no mundo das loucuras. Na verdade, ninguém está.

Um dos primeiros que converso me confessa que tem uma vontade louca de esfaquear alguém. Na verdade, não é apenas enfiar a faca em um inimigo ou coisa assim. Diz ele, que a vontade vem quando conversa com alguém em um papo informal, embaixo de uma árvore, com o vento soprando. Aí, ele imagina que pede ao amigo que espere um momentinho e coloca a mão no bolso, como se fosse atender o celular ou pegar a chave do carro. Neste momento é que o plano se concretiza e ele tira a faca do bolso e enfia no bucho do sujeito. Tudo bem rápido, pra causar espanto. (Se bem que, lentamente, a ação também seria de espantar).

Depois, ele disse que assistiria calmamente a morte do amigo, a chegada da ambulância, os policiais o questionando e, por fim, a sua prisão. Mas ele garante: nunca faria isso. “Mas é como a tua idéia de subir no palco dançando e gritando”, ele diz. “Me vem a vontade na cabeça e só”.

Sinto-me um pouco mais normal e questiono agora uma mulher sobre uma doideira que lhe passa na mente. Ela confessa que sua loucura é menos violenta que o esfaqueamento, mas acontece todos os meses. Pra ela, interessante mesmo seria poder furar a fila inteira do banco em dia de pagamento. E, além disso, quando chegasse ao caixa e tivesse dezenas de olhos a fulminando, diz que viraria pra todos e diria: “Furei mesmo, e daí?”

Seria sua realização. Melhor que isso, só se alguém comprasse a briga, tipo uma gordona com porte de leão-marinho. Sairiam as duas rolando pelo chão do banco, puxando cabelos e metendo tapa na cara. “Tipo baixaria, sabe”, diz minha amiga. “Tipo baixaria”, eu questiono. Isso é o auge da baixaria! O Oscar do barraco!

Ela diz que, mesmo assim, acharia o máximo. Mas também se conforma: “Não faria mesmo”.

Continuo minha saga em busca de loucuras e ouço uma declaração surpreendente: “Sabe, eu penso em beijar homens”. Não. Não foi uma amiga. Paro a conversa com ele na hora.

Agora ouço o desejo que outro amigo tem: bicudar e encher de socos aqueles mascotes com roupas fofas, enchimentos e rostos sorridentes. Como os de futebol americano. “Eu morro de vontade de espancar um boneco daqueles. Chegar no socão, sabe?” Imagino. E começo a rir sem parar. Visualizo meu amigo e mais uma série de crianças batendo no bichinho. E o mascote lá, com seu rosto feliz.

“Aliás”, complementa meu amigo, “eu já fiz isso. Uma vez, no Parque do Gugu, dei um soco na barriga de um bichinho da Fujifilm, se não me engano.” Ah, se todos pudessem realizar esses sonhos... Muita gente estaria no hospital, no caixão, ou, então, detrás das grades por atentado ao pudor. Já me explico.

Perguntar sobre coisas que as pessoas pensam em fazer, mas nunca fariam, é abrir as portas da imaginação. Melhor: é escancará-las. Dessa forma, tem gente que pensa em safadeza mesmo. Tipo, fazer na frente de todo o mundo com a Silvia Saint e tal. Mas o espaço não foi reservado pra esse fim. Prossigamos.

Ouço um rapaz dizer que tinha intenções malucas na infância. “Quando era pequeno, morria de vontade de xingar minha mãe quando ela me batia com a cinta”, confessa. E ele queria falar palavrão cabeludo mesmo. Que deixaria a mãe de cabelo em pé. “Mas isso não é loucura”, eu questiono. “É que você não conhece a minha mãe”, ele se defende e me deixa calado.

Continuo a angariar outras maluquices entre meus amigos e descubro algumas que, assim como a de xingar a mãe, não parecem tão doidas. Mas quando se avalia toda a realidade, compreende-se a insanidade da ação.

“Sabe, eu já quis ser vereador. Vê se pode?” Concordo rapidamente. Deve ser loucura mesmo se meter em política. Afinal, vender seus princípios para continuar no poder é insanidade total.

Vassouradas na cabeça de quem empaca no meio do shopping, tapas em autoridades, tapas em namoradores da sua namorada com direito a sotaque de carioca (“Aí, mermão! Tá olhando o quê? Fica experrrto”), segurar em cerca elétrica, pular do prédio e não morrer, enfim, descubro mais uma série de loucuras que, se realizadas, causariam olhos roxos, dentes quebrados ou um ataque cardíaco.

Ainda tenho tempo de ouvir mais uma idéia. Essa não é doida, mas é interessante. “Eu já quis participar do Big Brother”. “E faria o quê na fita pra ser classificado”, eu pergunto. “Nada”, é a resposta. “Ia ficar 30 segundos olhando pra câmera sem dizer nada. Só olhando seriamente. Sem rir. Com cara de bravo. Já pensou?” “Ia ser inovador”, eu penso.

Em minha conversa final com o doido da faca eu proponho: “Quem sabe eu não realizo a minha loucura no seu casamento. Que tal? Eu não cobro nada”.

“Isso”, ele responde. “Aí eu enfio a faca na sua barriga. Também não vou cobrar nada”.

Desisto da idéia.

Diométria Royal

. quarta-feira, janeiro 23, 2008
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Quando seu pai encontrou o namorado tentando se esconder embaixo da cama, só de cuecas, fez um escândalo. Ameaçou até abrir um processo contra o rapaz por invasão de propriedade privada. Mas desistiu da idéia ao ouvir a resposta do invasor.

- Olha, eu vou falar pro senhor. Eu nem queria muito. Mas ela me botou contra a parede e disse: “Tu é homem ou não”? Aí o senhor sabe, né? Duvidar da masculinidade é como xingar a mãe.

A tal “ela” era Suzana. Suzana Vieira. E é claro, as piadinhas e cantadas baratas envolvendo seu nome e o da atriz famosa eram constantes.

- Quer dizer, então que, aos cinqüenta você também ainda vai estar esse chuchu?
- Chuchu eu não sei, meu querido. Mas essa abobrinha que você está jogando pra cima de mim não te ajuda nem com a Dercy Gonçalves.

A acidez nas palavras era perceptível. A determinação também. Se bem que, nas palavras do irmão ela era, na verdade, mandona. E o episódio do namorado seminu debaixo da cama denunciava essa postura.

Depois do episódio, quis desistir de todo mundo na família. Chamou o pai de careta, a mãe de chorona (e ela chorou mesmo. Religiosa como era, não conseguia imaginar a filha deixando um namorado tocar-lhe qualquer parte do corpo acima dos joelhos, exceto as mãos) e o namorado de frouxo.

- Frouxo, mas porque frouxo? Eu vim até aqui! Fiquei até de cuecas!
- Ah, sim! E a parte em que você tremeu feito bambu velho quando meu pai te puxou pelos pés, hein? Me poupe! Frouxo!

Mandou tudo pro espaço. Falou que ia se mudar pra São Paulo. E mudou-se.

Chegando à capital paulista lembrou de uma aspecto importante: não conhecia ninguém na cidade. Todos os parentes viviam no Mato Grosso. Na verdade, apenas a irmã de sua mãe, que ela não via fazia uns dez anos, vivia em outro lugar: Porto Velho. No fim das contas, um lugar ainda mais longe que Cuiabá.

No entanto, foi essa tia, ou melhor, seu nome, que entrou na confusão de Suzana, mesmo depois de dez anos de ausência. Foi pensando na tia Diométria que começou a passar cheques sem fundo e cometer furtos. Não que a tia Diométria fosse uma espécie de vigarista rondoniano, mas é que a tia tinha esquecido um talão de cheques na bolsa de Suzana durante um passeio no shopping quando estava em visita a Cuiabá. Foi a saída ideal para começar a se dar bem em São Paulo. Além disso, o sobrenome da parente tinha uma pitada de realeza, o que ajudava a impressionar vendedores e gerentes.

- Olá! Seja bem vinda ao Hilton Plaza. Em que posso ajudá-la?
- Eu quero um quarto de luxo.
- Ah, querida. Todos os nossos quartos são luxuosérrimos! Um escândalo!
- Hmmm... Já que é assim, eu quero o mais escandaloso.
- Seu pedido é uma ordem, querida. Seu nome, por favor?
- Diométria. Diométria Royal.

A tal “real” passou algumas semanas na vida de picaretice. Na verdade, as primeiras semanas foram conquistadas com muitos cheques sem fundo. Mas como a ganância sempre pede um pouco mais...

- E o nome do senhor, qual é?
- Meu nome, mocinha? Tem certeza de que está falando comigo?
- Sim. Um coroa como você atrai a atenção de inocentes mocinhas como eu.
- Uh! Ai, meu pai! Me segura que eu vou ter um treco! Cadê o meu inalador, Jarbas?

Suzana, ou melhor, Diométria passou a aplicar golpes em velhinhos ricos e debilitados. Como todos os velhinhos ricos, eles sabiam que o interesse era mesmo no dinheiro, mas como já estavam quase no fim da linha, a carne fresca era sempre bem-vinda.

-Ai, Diométria! Assim você me mata do coração!
- Ai que bom!
- Como é que é?
- Ai que dom! Foi isso que eu disse. Você não acha que é o meu dom fazer você subir nas nuvens, meu pompom?
- Acho. Acho sim. Ai! Jarbas, o inalador!

Mas como ninguém é de ferro (não falo do velhinho, porque este não era mesmo), Suzana partiu pra um objetivo mais arriscado: conquistar playboys burros.

- E aí, minha Sharapova! Que tal uma partida de tênis? Só eu e você? De branco?
- Ah... não sei.
- Vem sim. Eu te pago um picolé.
- Um picolé? Ah, por favor.
- Ok, então. Vou parar de ser murrinha. Por você eu gasto o mundo inteiro. Te pago um Häagen-Dazs, que tal?
- Tô começando a mudar de opinião.
- Ótimo!
- Como a gente vai chegar no clube?
- De Mercedes, minha musa. De Mercedes.
- Perfeito! Amanhã, as oito.

O problema aconteceu no dia em que Suzana encontrou um playboy não tão burro assim. Depois que ela sumiu da casa do sujeito com dois quadros de Van Gogh, o rapaz virou uma fera e deu um jeito de encontrar a garota. Contratou um detetive e descobriu que ela já estava dando em cima de um outro playboy. Dessa vez, era no bairro dos Jardins.

Rapidamente, o rapaz ligou pra polícia e tratou de podar a vida boa de Suzana.

- A senhora está presa sob a acusação de furto e estelionato, senhorita Diométria.
- Que Diométria, meu filho! Meu nome é Suzana.
- Ah, é? Então, agora você também é acusada de falsidade ideológica. Tem algo a dizer em sua defesa?
- Tenho sim. Eu vou processar todos vocês. Eu sou inocente!

Não era. Depois que as autoridades confirmaram uma série de golpes cometidos pela garota de dezenove anos, foi parar detrás das grades.

- Suzana, eu sou repórter do telejornal local. Por que você fez isso? Afinal, é tão nova.
- Quer saber da verdade? Eu já estava ficando com saudade de casa. Fiz isso pra chamar a atenção dos meus pais. Beijo mãe!

No Jornal Nacional foi que a mãe recebeu o beijo. Ficou desesperada e disse que nunca mais ia ver a filha. Mas desespero maior foi o da tia Diométria. Ao saber que seu nome havia sido tão difamado resolveu mudá-lo. Tornou-se Regardina Monreale. Perdia o antigo nome, mas não perdia a realeza.

Como os políticos (Sem trocadilhos, por favor)

. sexta-feira, dezembro 21, 2007
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O presidente da república, membro do Partido Utópico Brasileiro, havia imposto a lei que garantia a igualdade entre todos os cidadãos brasileiros, incluindo os políticos. Agora, qualquer cidadão brasileiro poderia viver numa espécie de socialismo rico, onde todos teriam privilégios que antes eram só oferecidos aos estadistas. A vida parecia ter se tornado incrivelmente fácil, como nunca ninguém havia imaginado. Ou melhor, os prefeitos, deputados e senadores vivenciavam isso há anos, mas agora o benefício era estendido a todos.

Alguns economistas apontavam para uma onda gigantesca de inflação e dívidas públicas. Vários comentaristas políticos falavam que uma crise de corrupção assolaria o país, afinal a tendência seria a de grande parte da população querer se espelhar nos antigos políticos desonestos.

No entanto, a resistência em se atacar as atitudes governamentais era perceptível em diversos setores do país. Isso era previsível, já que nesse momento todos possuíam um salário mínimo de nove mil reais, recebendo essa quantia quinze vezes ao ano. Além, é claro, do auxílio-moradia, ajuda de custo para compra de combustível, e para quem não tinha automóvel havia o incentivo “primeiro - possante”, sem falar no Bolsa-Terno, ou melhor, auxílio para compra de vestuário mais adequado. Quem seria insano o suficiente para se rebelar contra essa realidade?

Não havia dúvidas de que nas futuras eleições o atual presidente seria reeleito, e se quisesse acionar uma lei que possibilitasse uma terceira, quarta ou até quinta reeleição, teria aprovação da totalidade da nação. Mas era preciso desfrutar de todos os outros benefícios que a nova lei oferecia. Faltar ao trabalho, por exemplo.

Foi o caso do interior de Minas Gerais. Os trabalhadores de uma grande empresa de laticínios, diante de uma convocação especial para trabalhar por culpa de uma entrega de extrema urgência, decidiram não ir ao serviço. Intrigante é que os próprios donos da empresa não compareceram ao local de trabalho para averiguar se todos estavam cumprindo com o seu dever. Apesar da ausência, todos os empregados receberam o seu salário extra pelo dia de “labuta”.

A possibilidade de agir dessa maneira animava os brasileiros a manterem o seu governante no poder. A cada dia que passava, cada vez mais o cidadão se deslumbrava com a atitude tomada pelo presidente. “Ele quer o nosso bem”, diziam alguns.

O auge do contentamento veio com o julgamento do homem que os jornais chamavam de “O Cidadão Insatisfeito”. O cidadão, um bigodudo de uns quarenta e cinco anos e tesoureiro de uma grande agência de publicidade, movido pela ganância que a nova situação lhe impunha, decidiu tomar posse do dinheiro do caixa da empresa. Foi acusado de roubo, chamado de ladrão e corrupto e foi parar no banco dos réus.

O escândalo foi tanto, que houve até mesmo transmissão do julgamento pela TV. Enquanto era julgado, o “Cidadão Insatisfeito” acordou-se para a sua situação como novo cidadão brasileiro. Tomado por um ímpeto arrogante ergueu-se da cadeira e dirigiu-se ao juiz:

- Meritíssimo, segundo a nova lei de igualdade para todos, temos os mesmos direitos que os políticos monopolizavam alguns meses atrás, não é verdade?

- Mas é claro, meu caro cidadão. Você tem todos os direitos anteriormente exclusivos aos parlamentares e donos do poder executivo. Não crês que é um homem de sorte? – Retrucou, com uma felicidade democrática, o magistrado.

- Então, já que é assim – arrematou o ex-tesoureiro-, renuncio ao meu antigo cargo da empresa em que trabalhei. Renuncio a minha condição de cidadão. Creio até que posso renunciar a mim mesmo.

E saiu pelo corredor central do fórum sem ser julgado. Podia. A lei lhe autorizava.