Incidente da Gordura

- De hoje em diante eu só quero comer hambúrguer e batata frita!

Esse era o pedido da criança magrinha, magrinha, que já estava cansada de comer feijão, arroz, brócolis e assado de cenoura.

- Meu filhinho, que é que deu em você?
- Eu quero comer hambúrguer! É mais gostoso. Eu ganho até um brinquedinho.
- Mas você não sabe que faz mal à saúde, garoto?
- Não faz não.
- Faz sim.
- Ah, mamãe! Só dessa vez. – diz o garoto, disfarçando sua mentira e vontade de comer na rede de fast-food.
- Bom, então hoje você come hambúrguer e batata-frita.

Eles chegam à loja de comidas rápidas e o garoto entra correndo.

- Moço, eu quero o Lanche da Criança, quero que o refrigerante seja o maior de todos, quero também a maior batata-frita, quero também uma torta de banana, uma de maçã, um sundae mix mega super e umas bolachinhas pra terminar.

O atendente, a mãe e os outros clientes que estavam por perto ficam impressionados em ver como alguém tão pequeno pode comer tanta coisa.

- Ah, e se tiver um chicletinho pode me vender também.

Sentam-se, mãe e filho, na mesinha mais perto do balcão, porque o garoto disse que “assim é mais rápido pra comida chegar, e se der mais fome a gente pede mais ligeiro, não é, mamãe?”

Chegam os pacotes com os oito itens exageradamente pedidos. A mãe, um pouco constrangida, pede uma água mineral.

O garoto não come como um porco porque é pequeno, mas como um leitãozinho faminto. Todos os clientes ficam impressionadíssimos com o “garoto comilão”. Ele termina com tudo o que pediu e repete o pedido, desta vez com o sanduíche de hambúrguer duplo no lugar do brinquedinho. Ele não quer brincar. Quer comer.

Alguns pais fecham os olhos de seus filhos, um bebê começa a chorar, uma adolescente de estômago fraco vomita em cima de sua mesa. A cena é pavorosa: o garoto já comeu quinze hambúrgueres, bebeu nove litros de Coca, devorou doze tortas, sete sorvetes e está agora mascando o décimo primeiro chiclete.

A mãe não consegue nem perguntar ao menino se tudo está bem, se ele não sente nenhuma dor, se quer um golinho de água. Tudo o que o garoto faz é comer, beber e levantar o outrora magrinho agora gordo dedo para pedir mais hambúrgueres.

- Ele tá inchando!!! – diz uma senhora de óculos.
- Meu Deus, vai explodir! – prevê o senhor de bigode

Realmente o garoto parece uma bola. Talvez seja o nível de colesterol quase atingindo níveis mundiais inimagináveis, ou quem sabe a gordura não consegue mais se instalar dentro do pequeno corpo, ou pode ser até que os líquidos do corpo estejam inchando o garoto como uma bexiga d’água.

O menino dá indícios de que se sente mal. A mãe já está em prantos. Os funcionários do restaurante, principalmente o gerente, dizem que a culpa não é deles. Algum dedo sensato liga para o pronto-socorro de plantão e em alguns minutos a ambulância chega.

- Nível de pressão sanguínea, 28 por 22, colesterol aproximado de 800, os batimentos cardíacos são de 198 por minuto. Como é que esse garoto está vivo? – é o para-médico analisando clinicamente a situação e se espantando com o “garoto gordo”.
- Qual o peso dele minha senhora? A senhora é a mãe, não?
- Sou sim. Olha, há meia hora atrás ele pesava 37 quilos, agora deve estar beirando os 150.
- Como assim minha senhora?
- Ele foi comendo, comendo... E você sabe como são as comidas deste lugar. Engordam qualquer um.
- Não se preocupe madame. O garoto vive, mas sem dúvidas vai demorar uma vida inteira pra recuperar o peso normal.
- Ai meus santinhos!

A situação é esdrúxula e beira o terrível. A perua do pronto-socorro sai toda rebaixada por culpa do garoto gordo.

Alguns dias depois.
- Mamãe, me promete uma coisa?- diz o garoto já se recuperando do incidente na cama do hospital.
- Que foi filhinho?
- Você pode me trazer mais umas daquelas batatas-fritas? Tão gostosas, não?

André Leite