O Visitante

O pai de família chega em casa e encontra, sentado à mesa de jantar com a família, um novo componente.

A esposa lhe apresenta a visita. Diz que se chama TV. O pai gosta de sua aparência. Parece ser um sujeito bem apresentável, culto, mas ao mesmo tempo parece ter intenções subversivas.

O pai senta-se à mesa, coloca comida em seu prato, e quando vai abrir a boca para conversar com a família percebe que todos foram para a sala de estar com a TV para assistir a novela. O pai come contrariado, sem ter nenhuma companhia durante o jantar.

Terminado o jantar, o pai se aproxima da sala de estar.
- Boa noite a todos. Estou indo para a cama.
Educamente, a TV lhe responde:
- Por favor, não vá. Aproveite o seu tempo conosco.
- Olha, você vai me desculpar, mas estou morrendo de sono.

No outro dia, ao acordar, vai verificar se os filhos já acordaram para ir para a escola. Percebe que eles ainda dormem.
- Acordem meus filhos, senão não chegaremos à tempo no colégio.
- Ah, pai! Ontem, ficamos com a TV até tarde. Estamos morrendo de sono. Deixa a gente ficar dormindo... Deixa?
- Tudo bem. Por hoje vou deixar, mas mais tarde vocês terão que ir comigo ao supermercado para me ajudar a fazer as compras.
-Tá bom. - E voltam a se esconder novamente embaixo das cobertas.

O pai vai trabalhar e tem uma folguinha pra poder almoçar em casa. Ao chegar, encontra a esposa assistindo um programa de culinária com a TV. A mesa está vazia e não há nada pronto nas panelas.

- Cadê o almoço, meu bem?
- Desculpe, querido. Este programa é tão legal e tem tantas receitas que até me esqueci de cozinhar.

O almoço demorou a sair, o que fez com que o pai chegasse atrasado no trabalho e tomasse uma bronca do chefe. Ele volta para sua casa e encontra os filhos brincando.

- Vou te matar, Lord Malvado.
- Não vai. Usarei meus poderes ultra-sônicos.
- Que tipo de brincadeira é essa, meus filhos?
- È uma brincadeira que a TV ensinou pra gente. Legal, não?

O pai ficou assustado. Pegou os dois filhos e a esposa e foram todos para o supermercado. A TV de alguma maneira apareceu por lá.

A mulher parecia mais consumista do que nunca. Queria comprar todos os produtos que havia visto no Polishop. AB Shaper, Super Faca Cortadora de Tudo, Torradeira de Torrar Pães Amanhecidos, enfim, toda e qualquer porcaria que já havia aparecido na TV.

Os filhos não ficaram muito atrás.

- Pai, me compra o carro que dá cambalhota e virá um robô gigante?
- Não vai dar, filho. O dinheiro tá curto.
- Ah, compra pai. Diz que sim. Diz que sim.

O pai ficou apavorado com aquela insistência dos dois filhos. Puxa daqui, arrasta de lá. No fim comprou o brinquedo porque o filho prometeu que iria usar a Super Espada Ninja de Chun-rá em seu estômago. Que espada era essa e quem era o bendito Chun-rá o pai não sabia, mas por via das dúvidas decidiu não arriscar.

Chegando em casa ninguém agradeceu ao pai pelos presentes e pelo passeio. Foram pra sala de estar fazer companhia para a TV. Afinal, já faziam imensas duas horas que não se encontravam.

O pai descarregou toda a compra sozinho, arrumou a casa, fez o jantar, e antes de ir para a sala de estar para comer e ver TV com a família, ligou para o chefe e disse que se demitia.

André Leite e Deyvison Veloso