Morte ao Atendimento por Telefone

. quarta-feira, janeiro 24, 2007


obs.: Talvez as melhores crônicas saiam de experiências ocorridas com o próprio autor. Nessas férias o carro da minha família bateu. Podem ter certeza: 99 % dos fatos ocorridos na crônica tem ligação com o ocorrido nas férias comigo. Boa leitura.
Morte ao Atendimento por Telefone

Dirigia sossegado pela Paulista quando percebeu que o carro logo atrás parecia segui-lo. Entrou na Consolação para ver se despistava o potencial perseguidor ou se verificava que se tratava apenas de neurose em relação ao banditismo crescente. Verificou que era um perseguidor. Não apenas porque o outro carro havia virado na Consolação, mas porque continuou a seguí-lo por mais quinze ruas que havia desviado e também pelo pequeno diálogo que tiveram após uma freiada brusca, parando os dois carros lado a lado:
- Por favor, o senhor poderia me dar uma informação?

- Pois não.

- O senhor é bandido mesmo e está me perseguindo ou todo esse episódio não passa de uma alucinação da minha mente?

- Sou bandido mesmo. E já aproveitando a oportunidade: mãos ao alto.

Ao invés de jogar as mãos para cima firmou-as no volante e pisou no acelerador. A corrida que se seguiu era digna de uma disputada da Fórmula 1. Não como uma do Barrichello e de algum piloto japonês com o nome terminando em Aki, Ama ou Ima, mas como uma de Schumacher e Alonso. Os carros ultrapassavam a marca dos 200 km/h nas ruas mais extensas da capital paulista.

Em meio ao desespero de ser perseguido tentou ligar para a policia. 911. Discado o número recebe a fatídica notícia em voz metálica.

- A Telefonica informa: este número de telefone não existe. Favor tentar novamente ou entrar em contato com a lista telefônica. Obrigado.
Confuso e desnorteado ele não sabia o que fazer. O número da polícia não existe! Como? Lembrou que andava vendo televisão demais. Sabia o número da polícia norte-americana mas não sabia sequer o telefone da polícia que realmente podia ajudá-lo. Lembrou do 102.

- Ivonete, Bom Dia.
- Por favor o número da Polícia.

- Ok. O senhor se encontra onde?

- Eu... Eu... E importa onde eu me encontro? O número da polícia não é sempre o mesmo?

- Não, senhor. Depende do que o senhor deseja. O senhor deseja falar com a Policia Civil ou com a Policia Militar?


- Tanto faz moça. Eu tô sendo perseguido. Me passa qualquer número.

- Senhor, você precisa me dizer qual é o serviço que o senhor deseja. Do contrário eu não posso ajudá-lo.

- Tá bom, tá bom. Me passa o telefone da Polícia Militar, então.

- Ok. O senhor deseja o número de emergência ou deseja o número comercial?

- Minha filha, tanto faz. Ou melhor, qual dos dois vai me atender primeiro?

- Olha senhor, eu não sei te informar isso. Estou limitada a transmitir números. Informações mais complexas como essa eu não posso lhe fornecer, senhor.

Já quase sendo alcançado pelo bandido, ele não se agüenta e grita:

- Para de me chamar de senhor! Eu não agüento mais ouvir você me chamando de senhor a cada frase! Me diz logo o número de emergência. Não tá percebendo que eu tô sendo perseguido e que isso é uma emergência.

- Ok, senhor. Fique calmo. O núm...

- Ficar calmo?! Você tá maluca é? Passa logo esse número.

- Ok, senhor. O número é 190.

Nessa altura dos fatos ele já fazia curvas a mais de 150 km/h com apenas uma das mãos e o bandido continuava a perseguí-lo. Discou rapidamente os três números que poderiam salvá-lo.

- Emergência da Polícia Militar, bom dia.

- Alô! Eu tô sendo perseguido moça. Preciso de ajuda.

- Ok, senhor. Onde o senhor se encontra?

- Eu... Eu... Eu tô passando por tanto lugar que eu nem sei onde eu estou. É uma perseguição de carros, entende?

- Compreendo, senhor. Então eu vou passá-lo para o setor de perseguições em carro. Um minuto, por favor.

- Não. Espera um pou...

Nem deu tempo de terminar a fala. Transferido para o Serviço de Ajuda ao Perseguido por Veículo Automotivo ficou escutando Beethoven por cerca de um minuto. Foi atendido por uma máquina.

- Você acessou o Serviço de Ajuda ao Perseguido por Veículo Automotivo. Se você está dirigindo um automóvel a mais de 100 km/h digite 1; se você está sendo perseguido por mais de um carro digite 2; se você acha que está dirigindo rápido demais e que está prestes a colidir o seu veículo digite 3; se você está se sentindo tão desesperado ao ponto de sequer perceber qual número deve digitar então aperte qualquer número ou todos os números de uma vez para ser atendido.

Com as mãos tremendo e percebendo que o bandido estava praticamente emparelhado com ele apertou o que lhe parecia a opção mais conveniente: todos os números que viu pela frente.

- Serviço de Ajuda ao Desesperado ao Volante, Maristela falando.

- Moça, eu tô desesperado. Estão me perseguindo e eu acho que alguma tragédia pode acontecer porque eu tô a mais de cem.

- Ok, senhor. Nós vamos...

- Para de me chamar de senhor! Não me chama de senhor. Eu não agüento mais ouvir essa palavra.

- Senhor, o senhor poderia ter calma. Nós...

Crash! Bateu o carro de frente com uma árvore. Com o veículo todo destruído, o bandido desistiu de assaltá-lo. Afinal, queria roubar mesmo era o carro importado e ainda mais agora com a batida a policia poderia vir. Uma tragédia havia acontecido.

O acidentado colocou o celular no ouvido em tempo para ouvir:

- O número solicitado não está disponível no momento. Tente mais tarde.

Em prantos, esperou o resgate chegar. Tirado das ferragens com apenas um corte no joelho viu o estado em que se encontrava o seu automóvel. Lastimável! Agora precisava acionar o seguro. Enquanto procurava o cartão da empresa ouvia o comentário de alguns senhores.

- Óia, eu vô te dizê. Do jeito que tá vão dá perda totar no carrão. Num sobrô nada di bom.

- Vai nada, rapaz. Olha direito. Do jeito que bateu nem deve ter desviado o chassi. E é isso que importa. Eu sei das coisas.

Encontrado o cartãozinho vermelho discou o 0800.

- Mapfra Seguros, Rosana, boa tarde.

- É o seguinte, eu bati o meu carro e...

-Ok, senhor. O senhor pode me informar onde se encontra o carro?

- Olha, no momento o meu carro se encontra no meio de uma árvore.

- Senhor, agora não é um momento para brincadeiras. Me informe por favor onde está o automóvel.

- Olha antes de mais nada, eu vou te dizer que eu sei muito bem que agora não é um momento para brincadeiras, viu? Agora deixa eu te falar onde eu estou. Aqui é a Rua Mestrinho. Bem na esquina. Você chegando vai poder ver direitinho um carro numa posição não muito usual.

- Ok, senhor. Agora eu preciso saber qual é o número da sua apólice.

- Como assim o número da apólice?! Eu sei lá o número. Já tenho tanto número pra lembrar. O RG, o CPF, a data de casamento, a data de aniversário da minha filha, a minha data de aniversário. Você ta me pedindo demais.

- Mas senhor, sem o número da apólice nós não podemos ajudá-lo.

- Ah, não! Pode parar. Você não tem como me ajudar. Eu pago todo mês essa porcaria de seguro pra você não me ajudar agora. Ah! Vai catar coquinho.

- Senhor, por favor, mantenha a calma. Mas, realmente, sem o número da apólice não há como ter certeza de que se trata de um caso real de um dos nossos assegurados.

Ele ficou maluco. Onde já se viu, ter que saber decor o número da apólice de seguros. Sem contar que já não agüentava mais ouvir a palavra “senhor”. Freneticamente buscou alguma coisa na carteira e num cantinho, na repartição das moedas encontrou um papel dobrado. O número da apólice que não se sabe como foi existir ali.

- Mapfra Seguros, Lucas, boa tarde.

- Alô, eu quero falar com a Rosana.

- Me desculpe senhor, no que eu posso ajudá-lo?

- Eu já te disse. Eu quero falar com a Rosana.

- Senhor, no momento ela não pode atender ligações particulares. O senhor é o namorado?

- Que namorado rapaz! E isso também não é uma ligação particular. Eu acabei de bater o meu carro e liguei aí para a minha asseguradora para resolver meu problema. Nessa, quem me atendeu foi a tal da Rosana.

- Ok, senhor. Posso ajudá-lo, então?

Pressionado pela insistência concordou.

- Já que você insiste tanto em me atender ao invés da Rosana então vamos lá. Eu bati o meu carro e...

- Ok, senhor. Você pode me informar onde ocorreu o sinistro.

- Sinistro! Tá locão, é? Tá achando que isso é algum filme de terror? Que negócio é esse de sinistro?

- Eu quero saber, senhor, onde ocorreu o fato, a batida, a colisão.

- Ah, tá. Pô, mas não é mais fácil você me perguntar de uma vez onde aconteceu a batida? Pra que falar “onde ocorreu o sinistro, senhor”?

- Olha, senhor, eu posso responder a qualquer pergunta que tenha ligação com as medidas referentes aos ocorridos com nossos clientes. Perguntas como essa eu não estou habilitado para responder.

- Ah, deixa pra lá. Continuando, a batida aconteceu aqui mesmo, na rua Mestrinho. Na esquina.

- Ok, senhor. Agora eu preciso do número da sua apólice.

- Tá aqui. 02354678001.

- Um momento senhor. Ok, você está confirmado como um dos nossos clientes. Agora espere um minuto que eu vou transferi-lo para o Serviço de Ajuda ao Cliente Realmente Cadastrado e Vitimado.

- Não. Peraí.

Mais uns dois minutos de Beethoven e foi atendido.

- Serviço de Ajuda ao Cliente Realmente Cadastrado e Vitimado, Ilma falando?

- Alô Ilma, eu bati meu carro e...

- Ok, senhor. Posso saber onde ocorreu o sinistro?

- Não acredito! Lá vem vocês com essa de novo de sinistro! Olha, eu vou ter que contar toda história de novo pra você?

- Senhor, se acalme. Eu preciso saber como tudo aconteceu para poder mandar um guincho.

- Ah, até que enfim ouvi alguma coisa boa. Vai mandar um guincho. Bom, então lá vai a história de novo...

Tu...Tu...Tu...Tu...Tu...

A ligação caiu. Depois de tanta história, de tanta conversa, de tantos novos nomes a ligação caiu. Caiu! Agora teria que falar de novo com a Rosana, com o Lucas, com a Ilma, com sei lá mais quem. Mais pessoas falando “senhor”, mais Beethoven, mais estresse, mais dinheiro gasto no celular.

Caiu em prantos. Desmazelado viu o policial se aproximar.

- Amigo, o carro é teu?

- É. Ou era. Já nem sei mais.

- O senhor tem seguro?

Só não xingou o guarda pelo “senhor” porque era uma autoridade.

- Tenho sim. Mas não consigo resultado nenhum. Ligo, falo com um monte de gente diferente e não consigo nada. Sequer um guincho.

Já vendo diversas vezes a mesma situação o policial teve compaixão do indivíduo.

- Ok, então. Já entendi. Vamos fazer o seguinte. O guincho deixa por conta do estado. Temos um guincho do Detran aqui perto. A gente remove o seu carro e depois você vê o que faz.

Comovido até o quanto se é permitido comover num momento como esse respondeu com um simples obrigado.

- Agora, posso te dar uma dica? – Disse o policial.

- Aham.

- Quer ver um atendimento por telefone que realmente funciona e é extremamente útil agora? Liga pra uma pizzaria.

A pizza chegou em vinte minutos.


André Leite

5 comentários:

Tales Tomaz disse...

Comprei um mouse USB e mandei um email para empresa pedindo um driver para o mouse.

O email de resposta:

"Bom dia, Sr. Tales..."

Tales Tomaz disse...

E só mais uma.
A cada 4 dias uma editora me liga me oferecendo quinhentos planos de assinatura para suas revistas.

Diante da minha negativa:

"...mas senhor Tales, o senhor vai pagar tão pouco! Além disso, o senhor vai começar a pagar só em abril deste ano. O senhor não acha que esta é uma boa promoção?"

Anônimo disse...

mto bom!!!claroo!!Sempre:Senhor??hahahahahh.....brigadoo pelo cartaoo!!!bjxxxxxxxxxxxxx
Emilay!!!

Anônimo disse...

oiee amorr...hahah adorei o finall de verdade foi inesperadoo..e tinha que ter comida neh...haha seu magreloo mais lindo..
adorei o texto...
bjuu te amoo

Anônimo disse...

Irado Leite!!!!

Tah escrevendo pra caramba , minino!!!

Sucesso!!!

bexuuu