Amigo da Onça

. sexta-feira, dezembro 07, 2007

- Alô!

- Alô, Luís! Quem fala aqui é o Menezes.
- Ô, Menezes! Quanto tempo, companheiro!
- Na verdade, não tanto tempo assim presidente. Faz dois dias que a gente não se fala. Lembra do churrasco de domingo, na Granja?
- É verdade. Mas o costume de falar "quanto tempo" é mais forte. Essa coisa de guichê é muito natural?
- Guichê?
- É. Guichê é aquela frase ou palavra que a gente usa e repete muitas vezes, sabe?
- É clichê, Luís.
- Pode ser. Não passa de um detalhe.
- Ok, então. Luís, eu queria fazer uma entrevista com você.
- Sem problemas, Menezes. É pra Folha de Brasília?
- Sim. E eu vou falar sobre os escândalos que envolveram o seu governo.
- Calma aí, companheiro Menezes! Que negócio é esse de escândalos?
- Luís, você tem que dar satisfações à população, já que seu governo acaba no fim do ano.
- Tenho, é? Mas eu não vou nem disputar a presidência nas próximas eleições?
- Luís, eu sei que você é uma pessoa de bem. Abra o seu coração pra mim.
- Não sei não.
- A gente se conhece há tempos, amigo.
- Isso é verdade.
- Então, vamos gravar.
- Opa! Como assim, gravar?
- É só pra eu registrar, Luís. Pela confiança que já temos um no outro há tanto tempo, você acha que eu seria capaz de trair sua confiança?
- Bom, o Genoíno, o Zé, o Antônio, de certa forma...
- Luís, eu não sou político.
- É. Tem esse ponto positivo. Opa! Já tá gravando?
- Na verdade, desde o início. Mas não te preocupa. Nada que não deva ser revelado vai aparecer no jornal.
- Então, tá bom. Vamos logo à entrevista.
- Ok, gravando então.
- Ué, mas já não estava gravando.
- É o tal do “guichê”. Antes da entrevista a gente sempre fala isso. Então, gravando.
- Prossiga.
- Presidente, em seu governo houve o "mensalão", o "dossiê tucano", os "sanguessugas", e mais recentemente o "escândalo do gás". Como você analisa esses momentos de crise?
- Eu não sabia de nada.
- Ah, fala sério, Luís! Sou eu, o Menezes.
- Hmmm... Sei não.
- Luís... A amizade.
- Ok. Na verdade eu sabia sim. Eu te dou a resposta pela amizade. Mas você só publica o meu "guichê": "Eu não sabia de nada". Ok?
- Combinado.
- Então, vamos abrir o coração. Eu sabia sim. Sabia do envolvimento do carequinha, do Zé, do Delúbio, do Genoíno, do japonês, do Palocci, de todo mundo.
- Do Duda também?
- Claro! O Duda é companheiro de tempos. Fez minha imagem. Eu devo boa parte do meu sucesso a ele, não acha?
- É verdade. Bom, já que você sabia de todos os esquemas, Luís, me diga: você se envolveu?
- Ô Menezes! Tá ficando quente o papo, hein?
- Pela amizade. Abra o coração para o Brasil. Ou melhor, pra mim.
- Bom, eu... eu... Ok. Eu não montei o esquema do mensalão, mas achei a idéia sensacional. Uma maletinha com dinheiro aqui, outra ali, e várias medidas aprovadas. Foi a saída pra contornar a forte oposição.
- E quanto ao dossiê?
- Os tucanos estavam fortes, principalmente em São Paulo. Tanto é que ganharam. A gente precisava baixar a moral deles. Nós estávamos sendo acusados por todos os lados.
- Aí, a saída...
- Foi ligar os "tucanos" a um escândalo. No caso, ligá-los ao Vedoim, que era quem vendia as ambulâncias. Mas, ô, Menezes. A resposta tem que ser aquela: "eu não sabia de nada". Acrescenta que eu sinto muito. Que sou vítima e tal.
- Pode confiar.
- Ufa! Eu me sinto aliviado podendo confiar em você.
- Eu sei amigo. Eu sei.


Mais de meia hora de conversa depois e muitos escândalos revelados "em off", a conversa entre os amigos terminou.


- Luís, aquele abraço.
- De nada, Menezes. Mas olha, nada de revelações comprometedoras.
- É...
- Como assim, é?
- É de "está bem". Combinado.
- Ok. Não vai trair minha confiança.


No dia seguinte, uma manchete histórica estampou a capa da Folha de Brasília: "PRESIDENTE ADMITE SABER E PARTICIPAR DE ESCÂNDALOS EM SEU GOVERNO".


- Alô! Quem fala?
- É o Menezes.
- Pô, Menezes! Sacaneou comigo, companheiro. Falou que não ia divulgar os escândalos e divulgou. Isso é traição.
- Oportunismo, Luís.
- E pensar que eu acreditei em você.
- O Brasil também.
- O Brasil o quê?
- Acreditou em você. Os brasileiros acreditaram.
- Ah, mas...
- São os ossos do ofício.
- Ossos ou carne desse tal de ofício, você me apunhalou pelas costas.
- Luís, vou revelar pra você: teu governo está acabando. Não preciso mais de você. Como fonte, você se torna apenas secundário ao sair da presidência.
- Mas tudo isso só por uma matéria?
- Uma matéria? Amigão, nossa conversa é conteúdo pra, ao menos, um livro.
- Um livro! Menezes, eu nunca mais dou entrevistas pra você.
- Por mim...


Choramingando, o futuro ex-presidente tenta uma última cartada.


- Menezes, me poupe ao menos do livro. Pela amizade. Lembra do churrasco?
Assim como a pergunta, a resposta também remeteu a declarações anteriores.
- Luís, eu vou te dizer: "Eu não lembro de nada".

1 comentários:

Clarissa disse...

Ah, aquela filosofia de fazer aos outros o que gostaria que fizessem a você...

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Inté!