Como os políticos (Sem trocadilhos, por favor)

. sexta-feira, dezembro 21, 2007


O presidente da república, membro do Partido Utópico Brasileiro, havia imposto a lei que garantia a igualdade entre todos os cidadãos brasileiros, incluindo os políticos. Agora, qualquer cidadão brasileiro poderia viver numa espécie de socialismo rico, onde todos teriam privilégios que antes eram só oferecidos aos estadistas. A vida parecia ter se tornado incrivelmente fácil, como nunca ninguém havia imaginado. Ou melhor, os prefeitos, deputados e senadores vivenciavam isso há anos, mas agora o benefício era estendido a todos.

Alguns economistas apontavam para uma onda gigantesca de inflação e dívidas públicas. Vários comentaristas políticos falavam que uma crise de corrupção assolaria o país, afinal a tendência seria a de grande parte da população querer se espelhar nos antigos políticos desonestos.

No entanto, a resistência em se atacar as atitudes governamentais era perceptível em diversos setores do país. Isso era previsível, já que nesse momento todos possuíam um salário mínimo de nove mil reais, recebendo essa quantia quinze vezes ao ano. Além, é claro, do auxílio-moradia, ajuda de custo para compra de combustível, e para quem não tinha automóvel havia o incentivo “primeiro - possante”, sem falar no Bolsa-Terno, ou melhor, auxílio para compra de vestuário mais adequado. Quem seria insano o suficiente para se rebelar contra essa realidade?

Não havia dúvidas de que nas futuras eleições o atual presidente seria reeleito, e se quisesse acionar uma lei que possibilitasse uma terceira, quarta ou até quinta reeleição, teria aprovação da totalidade da nação. Mas era preciso desfrutar de todos os outros benefícios que a nova lei oferecia. Faltar ao trabalho, por exemplo.

Foi o caso do interior de Minas Gerais. Os trabalhadores de uma grande empresa de laticínios, diante de uma convocação especial para trabalhar por culpa de uma entrega de extrema urgência, decidiram não ir ao serviço. Intrigante é que os próprios donos da empresa não compareceram ao local de trabalho para averiguar se todos estavam cumprindo com o seu dever. Apesar da ausência, todos os empregados receberam o seu salário extra pelo dia de “labuta”.

A possibilidade de agir dessa maneira animava os brasileiros a manterem o seu governante no poder. A cada dia que passava, cada vez mais o cidadão se deslumbrava com a atitude tomada pelo presidente. “Ele quer o nosso bem”, diziam alguns.

O auge do contentamento veio com o julgamento do homem que os jornais chamavam de “O Cidadão Insatisfeito”. O cidadão, um bigodudo de uns quarenta e cinco anos e tesoureiro de uma grande agência de publicidade, movido pela ganância que a nova situação lhe impunha, decidiu tomar posse do dinheiro do caixa da empresa. Foi acusado de roubo, chamado de ladrão e corrupto e foi parar no banco dos réus.

O escândalo foi tanto, que houve até mesmo transmissão do julgamento pela TV. Enquanto era julgado, o “Cidadão Insatisfeito” acordou-se para a sua situação como novo cidadão brasileiro. Tomado por um ímpeto arrogante ergueu-se da cadeira e dirigiu-se ao juiz:

- Meritíssimo, segundo a nova lei de igualdade para todos, temos os mesmos direitos que os políticos monopolizavam alguns meses atrás, não é verdade?

- Mas é claro, meu caro cidadão. Você tem todos os direitos anteriormente exclusivos aos parlamentares e donos do poder executivo. Não crês que é um homem de sorte? – Retrucou, com uma felicidade democrática, o magistrado.

- Então, já que é assim – arrematou o ex-tesoureiro-, renuncio ao meu antigo cargo da empresa em que trabalhei. Renuncio a minha condição de cidadão. Creio até que posso renunciar a mim mesmo.

E saiu pelo corredor central do fórum sem ser julgado. Podia. A lei lhe autorizava.