Jogos olímpicos da investigação

. terça-feira, abril 15, 2008


Ok. Falar sobre uma competição entre policiais e jornalistas para resolver um caso não é uma proposta tão inovadora, já que há casos de repórteres que buscam ser mais rápidos que policiais para resolver os mistérios de um crime. Imaginar uma competição entre essas duas classes de profissionais é praticamente parafrasear a realidade.

Mas, e se esta disputa deixasse de ser disfarçada e se tornasse explícita? Uma espécie de jogos olímpicos dos casos investigativos? Tentemos.

- Senhores jornalistas e policiais. Em alguns minutos, vocês estarão envolvidos em uma disputa que deve definir quem de vocês é mais eficaz no que diz respeito à investigação. Armas ou blocos de anotação? A lei da farda ou a persistência jornalística? Vocês é que darão a resposta.

Quem dava as instruções era um general do exército brasileiro.

- Um dos empresários mais influentes de São Paulo foi encontrado morto às 10 horas da manhã desta quinta-feira. Ele estava estendido em seu escritório e foi visto pela primeira vez nestas condições pela empregada doméstica. Isso é tudo. Não há mais informações sobre o caso. Na função de oficial do exército brasileiro, eu declaro abertos os Primeiros Jogos Olímpicos de Investigação.

E saíram todos aos tropeços da sala de reuniões. Cerca de 50 jornalistas e 150 policiais. Os primeiros a agir foram os jornalistas. Um ligou para uma fonte fiel.

- Alô, Macedo! Aqui é o Alberto, da Folha da Capital.
- Opa! Tudo bem?
- Mais ou menos. É que aconteceu um assassinato aqui na cidade e preciso de algumas informações sobre o caso.
- Ah, você deve estar falando do assassinato do empresário Bittencourt, não?
- Esse mesmo, rapaz. É por isso que eu gosto de conversar com você. Então, me dá umas informações rapidamente. Desta vez, além de ter que escrever sobre o crime eu também estou participando de uma competição de investigação.
- Ah, é?
- É. Então, fala aí.
- Então, rapaz. Eu também tô nessa.
- Como assim, Macedo? Você tá envolvido no crime? Não acredito!
- Não, meu amigo. Eu também tô nessa da competição. Eu achava que tinha te visto lá na sala de reuniões com o general e agora confirmei que era você mesmo.
- Hmmm...
- Então, sabe como é, não? Vou ajudar a classe nesses jogos. Fica pra outra.
- Eu nem queria mesmo. Tchau.

Emburrado, o jornalista desligou o telefone e tentou pensar em outra pessoa pra saber mais sobre o caso. Não conseguiu porque era muito limitado e tinha uma fonte só. Ao menos, começou a aprender que era necessário ter uma vasta lista de fontes.

E por ter este tipo de lista, outro repórter começou a desvendar o caso. Chegando ao local do crime de helicóptero, descobriu que, mesmo pelo ar, não tinha sido tão rápido quanto seus adversários. Já que se tratava de uma competição, os policiais haviam mobilizado toda uma equipe para ir até o local do crime e começar a fazer perguntas.

No entanto, quem fez a pergunta certa foi o tal repórter do helicóptero. Abriu o caderninho com fontes e ligou para quem não estava envolvido na competição: o sócio do empresário Bittencourt.

Felizmente, o jornalista tinha feito uma reportagem sobre empreendimentos e teve o sócio da Albuquerque & Bittencourt como a principal referência sobre o assunto. A empresa era uma das que mais crescia em todo o País.

- Alô! Albuquerque?
- Sim.
- Aqui é o Thomaz, da GTV.
- Hmm...

Parecia que o Albuquerque não queria colaborar.

- Então, rapaz. Eu queria estender minhas condolências pela morte do seu amigo.
- Que amigo?
- O Bittencourt.
- Ah...
- Então, é... Você sabe de alguma coisa?
- O que é que você quer, hein, rapaz?
- Eu só gostaria de saber se o Bittencourt tinha alguns inimigos, alguém que poderia se aproveitar da situação.
- Não.
- Não, o quê?
- Não, eu não sei de ninguém.
- Hmmm...
- Não mesmo?
- Tu! Tu! Tu! Tu! Tu! Tu!

O Albuquerque não tinha gostado mesmo das insinuações do jornalista. Mas como este estava mais preparado que o outro, ligou para uma fonte diferente: o contador da empresa.

- Ô Vieira, quanto tempo!
- É o Thomaz?
- Isso, mesmo.
- Ô rapaz, quanto tempo mesmo.
- Vieira, eu tô precisando de uma informação.
- O que você precisar.
- A morte do Bittencourt.
- Que tem a morte dele?
- Eu quero saber o que você sabe.
- Hmmm...
- Eita! Tá difícil hoje!
- Calma. Eu vou te ajudar. Como somos amigos de infância eu vou te dar uma força. É para aquelas Olimpíadas de Investigação, não é?
- Como é que você tá sabendo?
- A mídia anda divulgando. Acho que é para dar a impressão de que estão na frente. Mas pelo que eu percebo estão dando só tiro no escuro.
- É mesmo rapaz?
- Ô. Andaram falando que foi um assassinato encomendado. Dizem que quem mandou foi o sócio do Bittencourt, o Albuquerque. Mas é mentira. Os dois se davam bem até. O Albuquerque se dava tão bem com o sócio dele que, nas últimas férias, o Bittencourt estava tão ocupado pra levar a esposa pra viajar que pediu para o sócio levá-la para o Havaí.
- Ih! Aí tem coisa.
- Como assim, Thomaz?
- Férias no Havaí com a mulher do outro tem resultados inesperados.
- Tipo...
- Não sei, mas nunca deixe sua mulher passar férias com um cara solteiro, rico e boa pinta no Havaí.
- É mesmo, rapaz! Eu ainda não tinha pensado nisso.
- Me passa o telefone da viúva.
- Não vai ofender a coitadinha, Thomaz.
- Não. Eu só vou perguntar algumas coisas.
- 3836-4543.
- Certinho. Anotado. Abraço, Vieira.

Desligou e não sabia que havia sido grampeado. O amigo Vieira estava envolvido em esquemas de financiamento ilegal de campanhas políticas e por isso tinha seu telefone nas mãos, ou melhor, ouvidos da polícia. Assim, quando o jornalista foi ligar pra viúva recebeu apenas a linha ocupada e, pouco tempo depois, a informação pela rede de TV concorrente de que a polícia ia prender a esposa de Alfred Bittencourt por ter planejado o assassinato do marido para encobrir um romance extra-conjugal.

Com a competição ganha pelos policiais, o jornalista resolveu voltar ao local onde a maior parte dos outros repórteres estava: em frente a mansão dos Bittencourt, tentando se justificar por não terem conseguido vencer a competição.

- Esses policiais também... Como a gente vai competir com o poder público? Eles têm autonomia pra fazer tudo o que quiserem. Assim não dá. Essas olimpíadas são uma furada.

- É mesmo.

Em meio as reclamações, o tal jornalista da GTV viu uma mulherzinha com avental sujo de comida chorando próximo a uma árvore. Sentiu dó e foi tentar consolar a moça.

- Olá. Você era parente do Bittencourt?

Pelas roupas simples não devia ser mesmo. Mas a pergunta foi suficiente para fazer a mulher voltar a chorar e tentar responder entre soluços.

- Não. Eu... era... só... a... empre...gada.
- Hmm. E você foi a primeira a ver o Bittencourt morto, não?
- A... ham.

A empregada não parava de soluçar e chorar. O jornalista, um pouco mais humano, resolveu improvisar algumas palavras de conforto.

- Então, não se preocupe. Os culpados já foram encontrados. A polícia descobriu que a esposa do Bittencourt e o Albuquerque armaram o assassinato.
- Buáááá!

Com um choro tão chorado, o jornalista achou que o problema era mais grave e tentou racionalizar. E chegou a uma conclusão: a mulher chorava porque não teria mais onde trabalhar. Morto o patrão e encarcerada a patroa, agora ela não teria mais o salário garantido.

- Já sei, moça. Se o problema é trabalho eu chamo você pra fazer faxina em casa.

Ela parou de chorar um pouco e resmungou limpando o nariz.

- Tá bom. Mas não é isso, não senhor.
- O que foi, então moça?
- Promete que não conta pra ninguém?
- Prometo – disse ele, tendo a certeza de que a mulherzinha não teria nenhuma informação digna de confidência.
- Fui eu.
- Foi você, o quê?
- Fui eu que matei o Bittencourt.
- Como assim, mulher?!
- Foi assim, ó. Eu tava lavando as folhas de alface e os tomates pro almoço. Como o seu Bittencourt é muito exigente, eu estava usando luvas para não contaminar as verduras.
- Chato esse Bittencourt, não?
- Pois é. Mas, continuando. Aí, com as luvas escorregando de tão molhadas eu fui pegar a faca para fatiar o tomate. Foi então que o Bittencourt me chamou e eu virei. O problema é que eu levei um susto e a faca escorregou da minha mão.
- Tá, mas e daí?
- Daí que, quando eu virei é que a faca escorregou e foi pra cima do seu Bittencourt. No lado esquerdo do peito. Que nem a música diz.
- Não acredito!
- Pois é. Mas, já que o senhor prometeu não falar nada vamos decidir o meu novo salário?

Não teve novo salário. Louco para ganhar a competição, o jornalista dedurou a empregada e garantiu a vitória e as medalhas de latão pintado de dourado para os profissionais da imprensa.

Feliz ficou a mulher do Bittencourt. Com o dinheiro do marido, confirmou seu caso com o Albuquerque e foi passar novas férias no Havaí.

Presa, só restou a empregada continuar chorando e se lamentando por falar demais. Além, é claro, de odiar o telejornal local da GTV.

3 comentários:

Unknown disse...

Leite, não conhecia seu blog. Interessante. Você já se destacava no "Canal" como cronista na seção "O que aconteceria se...". Fico feliz pelo seu crescimento. Sucesso na sua carreira, colega.
Um forte abraço.
www.leonardosiqueira.wordpress.com
Leonardo Siqueira

PAOLO disse...

Grande André Leite - saudade de ti, da época onde todos éramos felizes,srs.

Como andam as coisas, por onde andas? mande notícias!

Gostei do espaço, gostei mesmo. Tem seu jeito. Estarei sempre por aqui. E será uma honra ter seu link por lá.

Deus te abençoe, abração pancita com pancita!!!

Erica Ferro disse...

Ah, que alegria ter encontrado um blog tão interessante hoje na minha "viagem por diversos blogs".
Muitíssimo legal teu blog, mesmo.
Essa sua postagem, então, excelentemente bem escrita.
Doses de humor e realidade.
Parabéns, André.
Passarei sempre por aqui.