Quem liga pras bodas de ouro?

. sexta-feira, janeiro 25, 2008


A cerimônia ia começar em cinco minutos.

- Ela já está chegando. Dizem que o vestido dela é lindo. Todo dourado.
- Deve estar maravilhoso! Mas por que a cor?
- Ai, menina! Será que é porque estão comemorando as bodas de ouro? Dã!
- Ah...
- Agora fica quieta que o noivo já está entrando.

O noivo também vestia dourado. Não como uma drag-queen. Afinal, tinha mais de setenta. Mas a gravatinha dourada combinava bem com a ocasião.

Aliás, tudo era dourado. As paredes haviam sido pintadas de dourado, os enfeites eram dourados, os docinhos eram dourados, as flores eram douradas, vários convidados usavam dourado, os instrumentos da bandinha eram dourados (se bem que quase todos eles são), o tapete era vermelho. É que não haviam encontrado um tapete dourado às pressas. Adiaram tanto a escolha do tapete que, no fim das contas, não acharam um da cor do ouro e ficaram com o vermelho mesmo.

Com o noivo postado à frente, agora quem entrava eram os padrinhos. Euclistina, madrinha da noiva, foi a primeira a entrar. Era a única que conseguia caminhar sem a ajuda de algum aparelho, e, por isso, conseguia andar mais rápido, sem empacar a fila. Em seguida, veio Adamastor, por parte do noivo, acompanhado de sua segunda esposa e da bengala. Na seqüência, Menengarda e Eufrasina. Ambas na companhia do andador. Só a entrada dos padrinhos levou quase vinte minutos.

Teria sido menos, talvez quinze minutos, não fosse a insistência do último padrinho, um general aposentado, que quis fazer surpresa e entrar sem o seu andador. Dizia que ainda tinha forças para se portar como há cinqüenta anos.

Durou trinta segundos a teimosia do velho general. Se espatifou no chão, depois que tentou se apoiar, sem sucesso, em um enfeite de flores. Flores, vaso dourado e o velhinho ficaram no chão por uns trinta segundos antes de serem socorridos. A demora foi motivada pela perplexidade de todos os presentes ante a declamação de dezenas de palavrões pelo ex-general, enquanto este rolava no chão a procura de sua dentadura.

Refeitos do susto, estavam todos prontos para a entrada da noiva. A marcha nupcial começou a ser tocada. Não como há cinqüenta anos, porque naquela ocasião os noivos não conseguiram encontrar uma igreja com piano. A noiva acabara entrando em silêncio mesmo. Mas agora, ela vinha sob a influência da clássica música dos casamentos, dentro de seu vestido bordado com flores douradas. Parecia um grande pedaço de ouro floreado.

- Queridos... Queridos...

O pastor havia esquecido o nome dos noivos. Afinal, estava com mal de Alzheimer e já contabilizava noventa anos. Mas a noiva havia insistido para tudo ser muito parecido, senão igual, há cinqüenta anos.

- Belize e Edgar. – Foi o sussurro.
- Héin?
- Be-li-ze e Ed-gaaar. – Falou discretamente e silabicamente um dos padrinhos.
- Ah, sim. Queridos Beliche e Edmar.

Não adiantava insistir. Já que nem tudo podia ser como há cinqüenta anos, os nomes dos noivos também entravam na dança.

- Estamos neste lindo lugar para renovar mais uma vez estes lindos votos. Há quarenta anos, vocês...
- É cinqüenta.
- Isso. Quarenta anos...
- É cinqüenta. Faz cinqüenta anos que estamos casados.

Quem insistia era a noiva. Ela podia até aceitar ter seu nome trocado. Mas o tempo em que estavam juntos, ela e o esposo, era um troféu. Não poderia ser adulterado de forma alguma.

- Ah, sim. Então, há cinqüenta anos, este belo casal se casava nesta mesma data e neste mesmo local.

Na verdade, o local não era o mesmo. Mas como tanta coisa já não era a mesma...

- Treliche, você aceita renovar os seus votos de lealdade e amor para com o seu marido?
- Sim, pastor. Eu aceito. Ah, e meu nome é Belize. Be-li-ze.
- Ok, Vanize. Agora você, Elimar. Aceita renovar seus votos de lealdade e amor para com sua adorável esposa...
- Belize, pastor. Belize.
- Monize.

Tensão. Não por culpa do pastor ter errado mais uma vez o nome da noiva. Já haviam se adaptado. O fôlego suspenso era causado pela demora do noivo em responder. Ele olhava para o chão, ao invés de fixar seus olhos nos olhos com sombras douradas da noiva. Esta dava tapinhas no braço do marido:

- Para de enrolar, Edgar. Fala logo que aceita.

Mais espera. Mais tapinhas.

- Ei, tá achando que isso aqui é circo pra você ficar fazendo uma palhaçada dessas, Edgar? Fala logo que me ama, homem.

Aí o Edgar não agüentou:

- Não. Não aceito nada não. Estão vendo isso aqui? Esses tapas? Essa pressão psicológica? Ouço isso há cinqüenta anos. E vocês acham que eu vou renovar meus votos de fidelidade e amor? Nem morto! Ou melhor, morto, quem sabe, seria melhor.
- Edgar! Mas são nossas bodas de ouro!
- Ah! Quem liga pras bodas de ouro? Tô fora!
E saiu pelo salão. Pegou o guarda-chuva e se mandou.

Em prantos, a noiva não sabia o que fazer. Só sabia chorar e falar que não entendia o que estava acontecendo.

- Se acalma, minha flor. Bebe esse copo de Coca.
- Coca? Não tem água com açúcar?
- Não tem. Só tem os refrigerantes da festa. A água do salão acabou.
- Pega da chuva, então.
- Mas não tem açúcar, flor.
- Ah! Então não quero.

E voltou a chorar.

No fim das contas, a noiva foi levada pra casa pelos filhos e tentou uma reconciliação com o marido. Nada feito. Agora, ele queria era paquerar as mais novinhas.

Quem acabou não entendendo nada foi o pastor idoso. Enquanto comia sozinho o bolo de casamento, ele perguntou para o ex-general:

- Ué, você sabe onde foi o Eliomar? Ele disse alguma coisa sobre “vou lá fora”. Tá demorando, não?

2 comentários:

Anônimo disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Leite, vc realmente é bom disso!

Waléria disse...

Que mal gosto..........